segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Eu não sou conflituosa!

Primeiro discutia com o meu pai.
Depois discutia com o meu marido.
Agora discuto com o meu filho.
Mas que merda!!!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

domingo, 17 de outubro de 2010

Quando o sonho não quer ser sonho

É tão dificil desistir das pessoas que nos tocaram. Mesmo quando a mente decide, o subconsciente prega-nos vis partidas e trá-no-las de volta como se nunca nos tivessem magoado. Quando em sonhos nos visitam, tudo parece ser possível, o imperdoável passa a ser quase miragem, coisa vaga e já esquecida. E nada mais importa a não ser aquela espécie de regresso ao futuro que só no reino de Morfeu acontece. Depois, enquanto o emergir no aqui e agora se torna inevitável, qual espiral ascendente, a incongruência surge a pouco e pouco como evidente, a realidade desaba como um raio, cruel, implacável. E percebemos que a dor permanece, como se tivesse sido ontem. O peito aperta-se e tudo volta, em catatupa. É tão dificil desistir das pessoas que nos tocaram. Quiséramos que nunca nos tivessem magoado. Quiséramos que tudo fosse como no sonho. Como antes do sonho. Porque mesmo o sonho parece esquecer que é sonho. E atirar-nos bruscamente para o mundo real. Como se nem ele próprio quisesse persistir na ilusão. Como se ele próprio quisesse tornar-se outra coisa que não sonho. Mas ao mesmo tempo tão real que nos persegue dias a fio como se sonho não fosse.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

104.3, a frequência

É de noite, tarde cheguei a casa, estacionei o carro, não saí. É outono. Chove lá fora. A rádio é a CMR. 104.3, a frequência. Tu no teu quarto, eu no meu. Unidos pelo éter, ouvindo as nossas músicas. Sentada ao volante do carro, estou de volta ao meu quarto. Eu no meu quarto que me ajudaste a conquistar, no meu espaço, tão teu. Tu no teu quarto, ou na sala, já não sei. Eu entrando sorrateira no quarto dos meus pais, trazendo o telefone. Era de noite, tarde, muito tarde. O rádio ligado. 104.3, a frequência. O telefone ligado à ficha do corredor, o fio esticado até à cabeceira da cama. Ligados pelo 104.3. Just Like Heaven, o telefone toca. Nem chega a tocar. Estás aí? Estou pois. Chove lá fora. Ao volante do meu carro, nem me mexo, para não deixar quebrar o encanto. Estás aí? Deves estar. É outono. Chove lá fora. A rádio é a M80. 104.3 a frequência. Eu no meu carro, tu numa estrela. Numa nuvem talvez? Unidos pela eternidade, ouvindo as nossas músicas. Vou para casa. Tenho o telefone, o telemóvel, o computador. Tenho o quarto e a sala. Chove lá fora. Chove... tanto! E conforme a escrevo a chuva amaina, amansa para dar passagem ao avião. Escolheu este momento preciso para se manifestar. Sorrio-te. O último avião da noite. Ou talvez o primeiro da manhã. Uncertain Smile. É tão tarde.... E eis que chove a bom chover. O telefone não vai tocar esta noite. Vou ligar a M80. A chuva parou. It's all in the game. Estás aí? Estou pois.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um diário

O meu filho recebeu de presente um caderno com muitas páginas. Foi o pai que lhe deu. Eu também recebi um. Gosto de receber cadernos. O puto também gostou. Passados uns dias veio ter comigo e disse: "estou a usar o caderno do pai como o meu caderno especial, para escrever as minhas coisas".
Ele sabe que isso me deixa feliz. Porque há anos que insisto com ele para que deixe registados os seus pensamentos, os poemas, os raps, os disparates maravilhosos que vive a espalhar pelos cantos e depois se dispersam na espiral do esquecimento. O meu filho é igual a mim. O meu filho é muito melhor do que eu. Mas partilha comigo o amor das palavras. Gosta de brincar com elas, experimentá-las, desafiar o(s) seu(s) sentido(s). Gosta delas todas, das novas e das antigas, das formas arrevezadas, engraçadas, trágicas ou líricas de dizer. Mas tem tendência a deixar fugir as formulações brilhantes que parecem brotar incessantemente do seu interior como se de um campo fértil se tratasse. Como se o habitasse um espírito feito de vegetação luxuriante. Palavras e mais palavras.
Palavras e mais palavras nascendo e crescendo como hera, como folhas, como ramagens, como árvores trepadeiras, frondosas, ocupando todo o espaço... mas as palavras têm de ser escritas. Pois se não fixamos as suas combinações nessa terra nutritiva que é o papel, elas crescem desordenadamente como aquelas árvores que estão no quintal abandonado ali atrás do meu e que ocupam o espaço todo e nos tapam o sol e nos dão cabo da roupa e nos querem entrar pela janela dentro e nos encham tudo de folhas e dão connosco em loucos...
A minha filha também vai pelo mesmo caminho. Ou talvez não. Porque ela gosta é de letras. Dos 'A', dos 'R', dos 'S'. E de números. E de carros. E de animais. Mas gosta de letras. De as escrever, de as desenhar. De as descobrir nas palavras. Palavras. Palavras e mais palavras.
Palavras. Letras. Palavras. Não sei com o que se parece o código genético mas dá-me ideia que há de ser um conjunto de letras e números. Acho que aquele que carrego comigo e transmiti aos meus filhos é feito de palavras...

Mas então dizia eu que o meu filho recebeu do pai um caderno com muitas páginas. Gostei que o pai lhe oferecesse um caderno. Gostei que me oferecesse um a mim. Gosto de receber cadernos. O puto também gostou. Passados uns dias veio ter comigo e disse: "estou a usar o caderno do pai como o meu caderno especial, para escrever as minhas coisas". E eu: "Assim tipo um diário?". E ele: "Não, mãe, um caderno especial, para escrever as minhas coisas". E eu: "Mas isso é um diário". "Um diário é para escrever todos os dias e eu não escrevo todos os dias", ripostou. Disse-lhe que não era bem assim, que muitas vezes as pessoas tinham diários e não escreviam neles todos os dias. Mas acho que não fui honesta. Um diário, claro que sim. Um diário é para escrever todos os dias. E as coisas importantes têm de ser escritas.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Posta restante

Sonhei contigo. Estava-se bem. A nossa cumplicidade mantinha-se intacta e era intensa a emoção. Poderosa. Mas não tocaste no assunto. Ao fim de um tempo resolvi então questionar-te eu mesma sobre os motivos pelos quais resolveste desamigar-me sem dizer água vai. Foste evasivo, claro. Que mais poderia eu esperar? Evasão, aliás, será um termo adequado. Deserção. Engraçado, tudo terminologia bélica. Guerreira. Afinal talvez o caso tenho sido esse mesmo: uma batalha ganha de uma guerra perdida. Ou vice-versa, quem sabe? É tudo uma questão de ponto de vista...

Pensando bem, é - tem sido - essa a história da minha vida. Uma sucessão de batalhas muitas vezes aparentemente ganhas numa guerra à primeira vista perdida quando no final de contas, no balanço da coisa, quem sabe o saldo seja surpreendemente contrário. Díspar. Entre mortos e feridos... Tanta, tanta destruição... Quanta ruína será necessária para das cinzas edificar um mundo novo? Será a vida afinal uma constante aprendizagem da reconstrução face à catástrofe? Serão as nossas experiências, aquelas que sentimos como agradáveis e as outras, as que implicam dor e sofrimento - no fundo tantas e tantas vezes as duas faces de uma mesma moeda - uma acumulação de "mises-en-abîme", nas quais somos colocados por um artista brincalhão e algo sádico na ânsia de observar as nossas reacções nas situações-limite que se compraz a inventar?

Ontem, não sei se repetindo algo que ouviu nalgum filme ou leu nalgum livro, o puto dizia: "Sabes, cada vez mais sou levado a duvidar da nossa existência...". Sim, é verdade que quando estamos aqui, no meio de todo este silêncio, testemunhando a vida para além de nós, o prosseguir inexorável do mundo, a respiração subtil dos elementos, a textura indecifrável do ar, a nossa própria realidade parece-nos por momentos ilusória.

(esta posta estava guardada desde 28 de agosto)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O meu diário, post nº 4

Querido Diário

Era assim que começavam os posts, que não se chamavam posts, aliás não sei como se chamavam. Como se de uma carta a um amigo imaginário se tratasse. Havia mesmo quem escrevesse 'Querida Kitty', talvez na secreta esperança de um dia aceder à fama por via daqueles registos inocentes. Outras, mais originais, baptizavam-no a gosto, sempre com uma graça feminina, que aos doze anos há coisas que não se dizem aos rapazes, mesmo que imaginários. Única excepção a esta regra de género: 'Querido Diário', uma espécie de amigo assexuado, o nosso melhor, único amigo, o único que nos compreendia, em quem confiávamos, leal e discreto, embora, convenhamos, nunca nos respondesse e fosse capaz de nos deixar anos a fio as falar sozinhas. Mas era ele o confidente secreto das nossas noites de insónia e das tardes em que permanecíamos em casa enquanto o resto da malta arrastava o cu pelas esquinas e nós chorávamos lágrimas de amargura por sermos tão injustiçadas pelos nossos pais...

Querido Diário, escrevíamos.

E desatávamos a contar o que tinha acontecido na escola, no jardim ou no café. E tudo era importante, porque tudo o que acontecia éramos nós. Porque éramos protagonistas da nossa história e tudo parecia possível, um dia. Escrevíamos os nossos sonhos e sabíamos interiormente que ao escrevê-los eles ganhavam forma e potencial para se concretizarem. Escrevíamos as nossas pequenas vitórias e elas davam-nos esperança e energia para continuar a sonhar. Escrevíamos os nossos desalentos e deixávamos que as lágrimas derramadas esborratassem a tristeza nas páginas viradas. Escrevíamos os nossos pensamentos e eles tornavam-se mais claros, mais consistentes embora nem desconfiássemos do quanto aquele diário era, de facto, nosso amigo, o grande amigo, um amigo silencioso e desinteressado que nos ajudava todos os dias a crescer e a saber quem éramos sem nunca pedir nada em troca.

Querido Diário.

Quando nele escrevíamos e pedíamos desculpa pelas prolongadas ausências sem as quais aliás nada teríamos para lhe e contar e lhe dizíamos que ele era tão nosso amigo e que só nele podíamos confiar não tínhamos a mais pequena noção do quanto aquilo era verdade. Limitávamo-nos a repetir um lugar comum e aquilo fazia-nos sentir bem porque no fundo éramos apenas umas meninas em busca de nós próprias e a precisar como de pão para a boca de apoio, carinho, compreensão. De ocupar o tempo, também, que na altura havia tanto! Tanto que nem sabíamos o que lhe fazer. Tanto, que queríamos, desejávamos que ele passasse. Depressa. E tanto quisémos, tanto desejámos, que passou.

Querido Diário. Quem me dera resgatar-te daquele contentor da Meia-Laranja...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O meu diário, post nº 3

Mas um dia fiquei sem o meu diário. Soube imediatamente o que lhe tinha acontecido, embora tivesse pedido a todos os deuses para que não fosse verdade. Tudo o que eu desejava era estar enganada, que o diário estivesse arrumado noutro sítio, que aquilo não passasse de um lamentável equívoco. Mas no fundo - no fundo e à superfície! toda eu sabia que não havia volta a dar. O meu diário, a testemunha silenciosa dos meus desvarios de pré-adolescente, dos meus sofrimentos, dos meus pensamentos confessáveis (sim, porque mesmo em diário fechado a cadeado nem sempre é fácil contornar os meandros da auto-censura, sobretudo quando se tem 12 ou 14 anos), das minhas paixões, das minhas pequenas misérias, dos sonhos, das aventuras, desventuras, episódios mais ou menos tragicómicos daquele que era o meu percurso, a minha aprendizagem, os meus escolhos, as minhas tristezas, alegrias, toda a minha vida, tudo o que era eu até então tinha sido levado sem contemplações pela pessoa que eu mais amava, pela pessoa que mais amei.

A dor que eu senti ainda hoje me belisca o peito. Enquanto escrevo estas palavras, parece que elas se-me embargam na garganta, tal o tamanho da mágoa. Foi nesse dia, talvez, que começaste a morrer. No dia em que mataste as minhas recordações de miúda por meia de branca e uma quarta de cavalo. Foi nesse dia, talvez, que mataste parte daquela que eu teria sido. Aquela que se perdeu com um diário de capa castanha de napa a fingir pele num contentor da Meia-Laranja, um dia, há tanto, tanto tempo. Há tanto tempo que nem sei se foi comigo, se foi a outra que lá ficou, nas páginas daquele diário, no lugar daqueles sete contos de réis que foram para as mãos de um intruja em troca de mais uma dose de veneno que matou o meu amor. E com o diário de capa castanha de napa a fingir pele deitou para o lixo os meus sonhos de menina. Para sempre. Para sempre. Para sempre e mais um dia.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O meu diário, post nº 2

Durante anos tive aquele diário. Guardava-o na gaveta da escrivaninha, no meio das cartas, postais e bilhetes de concertos. No meio das fotografias e bilhetes de cinema. No meio dos recortes de revistas e bilhetes de viagens. No meio das suas páginas também havia outras coisas. Coisas escritas e mais coisas que escrevia noutras páginas de outros cadernos e que ali colocava mais tarde. A chave, já não me lembro onde guardava. Talvez naquela caixinha com segredo, aquela, em forma de baú, de madeira revestida a pêlo de cavalo que a minha tia-avó me oferecera. Sim, provavelmente era ali que guardava a chave, na caixinha em forma de baú com segredo que a minha tia-avó me oferecera. Não consigo imaginar sítio melhor para guardar a chave de um diário, quando os diários tinham chave. Quando se escrevia neles com canetas de cores e se lhes punha perfume e se lhes colava fotografias e pontas de charro e embalagens de pastilhas elásticas.

Hoje os diários são virtuais e guardam-se com passwords. Neles colam-se links de tudo e mais alguma coisa ou não se cola nada. Já não são confidências que guardamos a sete chaves e não mostramos a ninguém, nem mesmo à nossa melhor amiga. São, pelo contrário, registos que queremos partilhar, porque hoje a partilha é palavra-chave embora às vezes me interrogue sobre que partilha é esta, se a solidão é cada vez mais ampla, neste mundo em que todos se vêem mas ninguém se parece tocar. E mesmo que esses diários sejam lidos - e muitos deles até comentados - por tanta gente, gente que a maior parte das vezes os autores desses diários nunca viram, gente que pode até passar por ali sem deixar qualquer rasto da sua passagem e que no entanto colheram parte de quem deixou ali a sua marca, o seu testemunho, muitos deles continuam a encerrar vidas inteiras, fechadas a sete chaves nas entrelinhas do não dito, do não escrito, como linhas perfumadas e coloridas de diário de adolescente fechado na gaveta da escrivaninha e de chave escondida na caixinha do segredo. Segredos que se guardam, segredos que se revelam. Segredos que deixam de o ser, que afinal nunca o foram. Como adolescente que esconde cigarros quando todos estão fartos de saber que fuma às escondidas.

Durante anos tive aquele diário. Nele registava o que achava que podia. O critério era instável, tal como eu. Por vezes quase me expunha. Outras deixava que a autocensura fizesse o seu papel. Sabia lá que isso existia. Sabia que não escrevia tudo o que pensava, isso sabia. Sabia que não me atrevia. Mesmo que o diário ficasse guardado na gaveta da escrivaninha, entre papéis e bilhetes, entre fotografias e recortes. Fechado com a chave que guardava já não me lembro onde mas acho que era na caixinha com segredo. Aquela, em forma de baú de madeira revestida a pêlo de cavalo que a minha tia-avó me oferecera. Não consigo imaginar sítio melhor para guardar um diário quando os diários tinham chave.

Durante anos tive aquele diário.

O meu diário, post nº 1

Quando era miúda, usavam-se os diários. Também eu tive um diário, aliás mais do que um, mas tive um diário que era mais do que os outros. Foi-me oferecido por uma amiga, uma grande amiga, daquelas amigas que temos para a vida, mesmo que o tempo e a distância digam não. Foi no dia em que fiz 10 anos. Na altura ainda não éramos grandes amigas mas isso agora não interessa nada. Um diário serve para registarmos o dia-a-dia e também para organizarmos as ideias e não as deixarmos fugir e espalhar-se como areia da praia entre os dedos em dia de verão com brisa de noroeste, de modos que vamos lá ver mais uma vez se sou capaz de prosseguir nesta missão. Assumir de vez que sem continuidade não há resultados. Nessa altura então não éramos grandes amigas e talvez fale dessa amizade um dia, aliás já falei noutro sítio e já lá vou buscar o link mas agora tenho de prosseguir porque não quero perder o fio à meada e isto da escrita tem muito que se lhe diga, ó se tem.

Quando era miúda usavam-se os diários e esta amiga ofereceu-me um no dia do meu 10º aniversário e era um diário como as miúdas queriam, daqueles com cadeado e chave e capa de napa a fingir pele. Era castanho com bolinhas de várias cores se bem me lembro a fugir para o brilhante, mas isso agora também não interessa. O que interessa é que era um diário e foi o meu diário durante muitos anos. Está bem que era um diário no qual não escrevia todos os dias, porque na verdade sempre fui assim, inconstante, e afinal de contas quem é que eu ando aqui a tentar enganar? Mas era o meu diário e nele registei coisas de que me lembro e outras nem tanto. Era capaz de reproduzir aqui de cor frases inteiras desse diário, coisas que escrevi com 10, 11, 14, 16 anos. Outras não.

Porque um dia fiquei sem o meu diário. E quem me levou o meu diário talvez não saiba nem nunca venha a saber que ao levar-me o meu diário me levou também um pedaço da minha vida. Um pedaço que talvez nunca venha a colmatar. Ele foi-se, o diário, e com ele foi-se para sempre uma parte de mim.

(Adenda: o tal link. Porque desta vez quero ver se faço tudo como deve ser...)