quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Tem dias

Eu devia ser impermeável ao tempo. Ao tempo que faz e ao tempo que corre, que se escorre entre os dedos como na metáfora batida. Eu devia ser impermeável às flutuações atmosféricas, às depressões cavadas a leste, aos acentuados arrefecimentos nocturnos, aos aguaceiros passando a chuva a partir da tarde nas regiões a sul do cabo carvoeiro. Aos janeiros que se prolongam sem dó nem piedade, mesmo com dias a crescer a olhos vistos. São eles que nos dão ânimo, os dias. Ainda ontem eram tão pequeninos e agora já duram quase até às seis. Mais um bocadinho e deixam de nos mijar em cima. Digo eu.
Mas o pior são estas noites que não chegam a ser cinzentas, nem negras, muito menos azuis. Noites cor de burro quando foge. Pior que o março marçagão em que de manhã é inverno, mas à tarde verão são estes dias ao contrário que acordam gloriosos e se vão ensombrando sem a gente dar por isso. Não é por razão nenhuma em especial, mas por que a luz faz falta, mais até que o calor. E uma pessoa até pode gramar um janeiro interminável mas dêem-nos ao menos um céu com cor. Uma luz que venha lá de fora e não do interruptor.
Tem dias que uma pessoa devia poder hibernar. E ser como os camelos, armazenar, armazenar, armazenar para depois poder atravessar o deserto e gozar a travessia. Eu devia ser impermeável ao tempo, é o que é.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Janeiro é o mês mais longo do ano


Há já uns anos que me apercebi disto. Janeiro custa a passar. A chuva. A escuridão. O frio. O desconforto. O desalento. A desmotivação. A espera. O recolhimento. Janeiro. Tempo de stand-by. Tempo de ficar e de morrer um pouco. Um pouco mais.

Dias obscuros, tempo triste, sinistro. Tempo de assistir à morte. Morte de gente nova, de gente velha, de gente assim-assim. De gente boa, de gente famosa, de gente assim-assim. A morte, essa, nunca é assim-assim. É sempre cruel, estúpida, inesperada. Mesmo quando surge na sequência de doença prolongada, esse eufemismo absurdo que eu julgava ter caído em desuso mas que ainda ontem ouvi na TV. Morte de heróis ou de monstros. A morte, diz-se, torna-nos todos iguais.

Morre o capitão de abril, morre de morte morrida, de doença prolongada e vejo-o, na peça da TV. Está ali, lado-a-lado com o meu tio, como se ainda cá estivessem, os dois. Ambos descem a avenida de liberdade ao peito e cravo na lapela. Ainda acreditam, parece. Ainda... Mas o capitão foi-se ontem e o meu tio há três anos. Três anos, já... E ele ali descendo a avenida de liberdade ao peito e cravo na lapela. Tão vivo...

Morre o cronista social, morre de morte matada, morte escancarada, dissecada ali, na TV, nos jornais, na internet. Morte sórdida, mentes sórdidas que vomitam podridão, ali, na TV, nos jornais, na internet. O cheiro a morte invade tudo, conspurca o eter, as fibras ópticas, entope os pensamentos, atravessa-se-me na garganta. Morte de acreditar. Os policiais que li são apenas o pálido reflexo da realidade possível.

Morre o artista, morre de morte morrida, de doença prolongada, vejo-o na TV como ontem o abracei, no palco onde cantava e dançava, como ontem me contava a sua vida, me desenhava no livro que era seu. E invade-me a lonjura do que não fiz, do que não disse, dos projectos que pensei mas não realizei, da conversa inacabada - não o são todas? Morre o artista e a arte morre com ele, morre a tela por começar, morrem os livros que não escrevi, os que que não li, o mundo por desbravar.

Morre um desconhecido, morre de morte suicidada. Atirou-se da janela, soube no outro dia. Um pai, um marido, um vizinho, nem o nome lhe cheguei a saber. Abre a janela de manhãzinha, antes de sair para o trabalho. Depois de amanhã será janeiro, o mês mais longo do ano. Os filhos estão de férias, ainda dormem no quarto. Despede-se e sai. Estatela-se no chão, lá em baixo, lá onde os filhos fazem cavalinhos nas suas bicicletas, todos os dias, com os amigos, os filhos dos vizinhos. Contrariado, um polícia entra no elevador, carrega no botão do nono andar. Leva na mão o telemóvel da vítima, vai devolvê-lo à viúva. Vai zangado, que já devia estar de folga. No quarto das crianças um recado do pai: "Quero que saibam que nunca vos esquecerei."

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

E eis que Janeiro começa a tomar conta da minha alma...

Comecei o dia acreditando que a escuridão é necessária para salientar o brilho da luz. Logo a seguir soube da partida do mestre e a manhã ensombrou-se mais um pouco. Quisera que o sol tivesse cintilado, que a passarada tivesse celebrado a viagem, que a música tivesse tocado e os anjos dançado para recebê-lo. Mas foi triste este dia em que o pintor morreu.
Toda a tarde tentei em vão concentrar-me na leitura. O cansaço ganhou a batalha e entregou-me nos braços do deus do(s) son(h)o(s), que logo tratou de me levar com brusquidão por montes e vales deixando-me no corpo e na boca um sabor a ressaca quando acordei, já pela hora do jantar. Atravessada. Cabeça pesada e vaga sensação de gripe sem letra. Como entregarei o trabalho depois de amanhã não sei. Preocupa-me a falta de preocupação que sinto em relação a isto. Sem forças, é como estou.
À noitinha, oiço a história de um americano que passou 30 anos preso, dos 20 aos 50, por violação e mais não sei o quê. Exames de ADN acabam de provar a sua inocência. Fui ver. Era preto.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Estou a cumprir. E a dobrar que é por causa das coisas

Não, não é fácil. Não venham dizer que é por que não é. Pura e simplesmente por que para se fazer a sério tem de doer um pouco. Não, não é que eu seja masoquista, nada disso. Mas acredito no poder curativo que esta cena tem. E não é só chegar aqui e cagar sentenças. Não é. Pode parecer que é, mas isso faz-se bem noutro lado. No Facebook por exemplo. No Twitter, no café da esquina. Desde a primeira vez que levo a blogosfera de outra forma. A sério, será? Não sei se é a sério se é a brincar. Mas não encaro isto como um café da esquina. Um tasco sim, nunca um café. Um tasco onde me encontro comigo própria e com quem mais quiser assistir a este desconchavo que é uma gaja a despir-se, a tentar despir-se de autocensuras e ser ela própria e ser verdadeira e ser o que quer ser e ser o que tenta ser e ser que tem de ser e fazer o que tem de ser feito como diz o outro mas agora quem diz sou eu. E se calhar isto não interessa a mais ninguém e é só o meu exercício o meu trabalho a minha cena a minha coisa a coisa que não interessa a ninguém se não a mim mas eu publico na mesma por que posso e se vivo no século XXI e posso publicar e finalmente publico então é porque é para publicar e mai nada. Podeis chamar-me louca mas é o que é. Tenho de escrever e prometi que escreveria. Mesmo que fosse um disparate e eu sei que é. Hoje é assim amanhã será melhor. Mas hoje é assim e pronto. Já está.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Resoluções para 2011


Coisas para fazer todos os dias:

Nascer. Sorrir. Amar. Lutar. Escrever. Trabalhar. Sentir. Aprender. Rir. Agradecer. Ouvir a música. Abrir a janela. Respirar fundo. Olhar para o céu.

Coisas para fazer todas as noites:

Deitar. Descansar. Descontrair. Sonhar. Fechar os olhos. Sonhar. Acreditar. Sonhar. Integrar. Sonhar. Viajar. Sonhar. Saber. Ouvir o silêncio.

Coisas para fazer o mais possível:

Sair. Viajar. Ler livros. Namorar. Cantar. Dançar. Reiki. Praticar yoga. Andar de baloiço. Nadar. Mudar. Ir ao cinema. Ver os amigos. Estar com os amigos. Rir com os amigos.

Coisas para fazer sempre que necessário:
Chorar. Gritar. Orar. Reflectir. Parar. Recomeçar. Reconhecer. Perdoar. Esquecer. Retornar. Engolir. Calar.