Mas um dia fiquei sem o meu diário. Soube imediatamente o que lhe tinha acontecido, embora tivesse pedido a todos os deuses para que não fosse verdade. Tudo o que eu desejava era estar enganada, que o diário estivesse arrumado noutro sítio, que aquilo não passasse de um lamentável equívoco. Mas no fundo - no fundo e à superfície! toda eu sabia que não havia volta a dar. O meu diário, a testemunha silenciosa dos meus desvarios de pré-adolescente, dos meus sofrimentos, dos meus pensamentos confessáveis (sim, porque mesmo em diário fechado a cadeado nem sempre é fácil contornar os meandros da auto-censura, sobretudo quando se tem 12 ou 14 anos), das minhas paixões, das minhas pequenas misérias, dos sonhos, das aventuras, desventuras, episódios mais ou menos tragicómicos daquele que era o meu percurso, a minha aprendizagem, os meus escolhos, as minhas tristezas, alegrias, toda a minha vida, tudo o que era eu até então tinha sido levado sem contemplações pela pessoa que eu mais amava, pela pessoa que mais amei.
A dor que eu senti ainda hoje me belisca o peito. Enquanto escrevo estas palavras, parece que elas se-me embargam na garganta, tal o tamanho da mágoa. Foi nesse dia, talvez, que começaste a morrer. No dia em que mataste as minhas recordações de miúda por meia de branca e uma quarta de cavalo. Foi nesse dia, talvez, que mataste parte daquela que eu teria sido. Aquela que se perdeu com um diário de capa castanha de napa a fingir pele num contentor da Meia-Laranja, um dia, há tanto, tanto tempo. Há tanto tempo que nem sei se foi comigo, se foi a outra que lá ficou, nas páginas daquele diário, no lugar daqueles sete contos de réis que foram para as mãos de um intruja em troca de mais uma dose de veneno que matou o meu amor. E com o diário de capa castanha de napa a fingir pele deitou para o lixo os meus sonhos de menina. Para sempre. Para sempre. Para sempre e mais um dia.
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
O meu diário, post nº 3
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Foda-se. Roubar parte da vida a alguém é o maior roubo de todos. Mas há por aí um intruja que te conhece melhor do que ninguém. Deve ter ficado, de certeza, uma pessoa diferente daquilo que era. Porque, lá está, parte de ti ficou nele.
ResponderEliminar... beijos
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