Querido DiárioEra assim que começavam os posts, que não se chamavam posts, aliás não sei como se chamavam. Como se de uma carta a um amigo imaginário se tratasse. Havia mesmo quem escrevesse 'Querida Kitty', talvez na secreta esperança de um dia aceder à fama por via daqueles registos inocentes. Outras, mais originais, baptizavam-no a gosto, sempre com uma graça feminina, que aos doze anos há coisas que não se dizem aos rapazes, mesmo que imaginários. Única excepção a esta regra de género: 'Querido Diário', uma espécie de amigo assexuado, o nosso melhor, único amigo, o único que nos compreendia, em quem confiávamos, leal e discreto, embora, convenhamos, nunca nos respondesse e fosse capaz de nos deixar anos a fio as falar sozinhas. Mas era ele o confidente secreto das nossas noites de insónia e das tardes em que permanecíamos em casa enquanto o resto da malta arrastava o cu pelas esquinas e nós chorávamos lágrimas de amargura por sermos tão injustiçadas pelos nossos pais...
Querido Diário, escrevíamos.
E desatávamos a contar o que tinha acontecido na escola, no jardim ou no café. E tudo era importante, porque tudo o que acontecia éramos nós. Porque éramos protagonistas da nossa história e tudo parecia possível, um dia. Escrevíamos os nossos sonhos e sabíamos interiormente que ao escrevê-los eles ganhavam forma e potencial para se concretizarem. Escrevíamos as nossas pequenas vitórias e elas davam-nos esperança e energia para continuar a sonhar. Escrevíamos os nossos desalentos e deixávamos que as lágrimas derramadas esborratassem a tristeza nas páginas viradas. Escrevíamos os nossos pensamentos e eles tornavam-se mais claros, mais consistentes embora nem desconfiássemos do quanto aquele diário era, de facto, nosso amigo, o grande amigo, um amigo silencioso e desinteressado que nos ajudava todos os dias a crescer e a saber quem éramos sem nunca pedir nada em troca.
Querido Diário.
Quando nele escrevíamos e pedíamos desculpa pelas prolongadas ausências sem as quais aliás nada teríamos para lhe e contar e lhe dizíamos que ele era tão nosso amigo e que só nele podíamos confiar não tínhamos a mais pequena noção do quanto aquilo era verdade. Limitávamo-nos a repetir um lugar comum e aquilo fazia-nos sentir bem porque no fundo éramos apenas umas meninas em busca de nós próprias e a precisar como de pão para a boca de apoio, carinho, compreensão. De ocupar o tempo, também, que na altura havia tanto! Tanto que nem sabíamos o que lhe fazer. Tanto, que queríamos, desejávamos que ele passasse. Depressa. E tanto quisémos, tanto desejámos, que passou.
Querido Diário. Quem me dera resgatar-te daquele contentor da Meia-Laranja...
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
O meu diário, post nº 4
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Posso até não ser bem vinda a esta casa mas assim mesmo não vou deixar passar em branco a minha passagem... pela simples razão que neste seu Post disse o que muitas vezes pensei e senti mas que nunca me atrevi a escrever! Como se fazê-lo fosse confrontar-me com o enorme vazio deixado por algo que com o Tempo e no Tempo se perdeu! E só por isso valeu a pena passar... voltarei se isso não incomodar.
ResponderEliminarLaura, quem vier por bem... :-)
ResponderEliminarestou chocada... pensava que era só eu que pedia desculpa pelas ausências ao meu diário. Agora percebo que sofro de um grave problema de falta de originalidade. Sinto-me um pouco deprimida.
ResponderEliminardon't! (ouvir, por favor, o Homer Simpson)
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